quinta-feira, 12 de julho de 2012

Estupro, culpa e reencontro.

Como a Lola sempre diz, toda mulher tem uma história de horror pra contar. Odeio essas máximas de "todo mundo" ou "ninguém". Mas quanto mais converso com amigas, conhecidas, colegas, mais eu percebo o quanto isso é real. Estupros, abuso quando crianças, espancamento por sermos mulheres, sermos frágeis, sermos boas de bater e de cuspir.
A minha história começou em 2010, de férias em Porto Alegre. Era Fórum Social, as pessoas eram lindas e eu saí com um cara que tinha acabado de conhecer. No motel, depois de algum tempo, ele resolveu me "enforcar", eu disse que não e ele não parou. Eu não sabia o que fazer. Afinal, era um desconhecido. Tinha medo de me mexer, gritar, fazer qualquer coisa e ele me matar. Mas ele não me matou (e como me disse depois, achou que eu estava me divertindo, mesmo quando eu dizia "para" e chorava, porque eu parecia gostar de sexo violento). Nesse dia eu tive a frieza e a calma de levantar, tomar um banho e voltar para onde eu estava hospedada sem dizer nada. 
Eu ruminei as ideias e concluí que a culpa era minha: eu saí com um estranho porque eu quis. Entrei no motel porque quis. Não gritei nem peguei o telefone porque não quis. Eu gosto de sexo bruto. Ele estava usando camisinha. A culpa era minha, e, afinal nada tinha acontecido. Pelos meses seguintes eu ignorei a história, até que não podia mais transar no claro porque eu chorava todas as vezes. Em silêncio, quieta e sozinha. Até que um amigo percebeu e, seis meses depois eu contei pra alguém. Um ano depois, eu contei para meu analista. E nenhum dos dois conseguiu me fazer sentir melhor. 
Pouco mais de um ano depois desse dia, nos reencontramos na rua. Meus joelhos viraram manteiga, eu comecei a chorar e não fosse estar com uma amiga que conhecia a figura, eu teria ficado ali, a mercê dele, sem forças, indefesa. Até que numa das postagens da Lola, ela escrevia sobre estupro. Como isso acontece entre conhecidos num motel e não num beco escuro, como as mulheres se sentem culpadas, como a mídia nos ensina a não ser estupradas. E desde então eu venho tentando lidar com isso. Parece pouco, parece bobagem, mas é como se qualquer coisa dentro de mim tivesse ficado quebrada para sempre. Um situação na qual eu nunca serei protagonista. Eu nunca vou me perdoar por ter ficado quieta, por não ter denunciado o cara, por não fazer nada.
Por que eu estou escrevendo tudo isso tanto tempo depois: semana passada, nos encontramos na rua. Eu ainda tenho medo, ainda não sei agir, mas não chorei. Eu fingi que não sabia quem ele era e mantive distância, mesmo ele puxando assunto e tocando em mim. Foi tudo que eu pude fazer. Voltei pra casa pensando em denunciá-lo. Mas qual o argumento? A lei não está do lado das vítimas, em geral. Eu só me constrangeria na frente de um delegado que tem coisas muito mais brutais e emergenciais pra resolver. Essa história já foi. Sobra a cicatriz em mim, como sobra em todas as mulheres que sofrem uma brutalidade. Sobra medo, sobra insegurança, sobra um monte de coisas ruins. Não lembro mais disso todos os dias, não tenho mais medo de sexo, mas não posso simplesmente esquecer.
Escrevo isso porque é uma redenção. Aconteceu, não é segredo. Eu não preciso esconder, nem ter vergonha. Quem sabe um dia eu não tenha mais medo. Quem sabe como a Lola me salvou de um limbo, eu possa ajudar alguma menina a se olhar no espelho sem se sentir suja.