segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Eu Não Nasci Pra Trabalhar (ou Eu Não Sei Fazer Currículo)

Não era o que minha mãe queria ouvir de mim. Ainda bem, pelo menos que ela não lê esse blog. Vamos considerar as experiências profissionais mais comuns (pelo menos entre os meus amigos de baixa estirpe, assim como eu). Você pode ser:
1. estagiário: nessa meritocracia fajuta em que vivemos, estagiário é o mais baixo na escala dos bons trabalhos. Sim, bons trabalhos, porque ninguém é estagiário de atendente do McDonalds. Aí o sujeito acha que está aplicando sua faculdade na sua vida profissional, que é uma chance de aprender mais e... PÉEN. Não é. É só um jeito de te pagarem bem pouco, amparados pela lei, e te ensinarem o mínimo e passarem todos os trabalhos de merda (tipo encher a impressora de todas as salas todos os dias e fazer mil cafés toda tarde, porque isso forma o caráter e ensina a humildade). Porque você não é formado. Porque você não tem uma carreira sólida. Porque tudo que você sabe fazer não presta pra nada. Se prestasse, você não seria estagiário.
2. proleotário: não, eu não errei a grafia. Ele é um otário mesmo. Ele se vende barato, porque de onde saiu tem muito mais - e que cobra até bem menos. Ele trabalha quantas horas a empresa quiser, e agrada o chefe, agrada o cliente, agrada o marketing, agrada todo mundo, menos a si mesmo. Mas se convence de que está curtindo, porque paga as contas, viaja nas férias e ajuda uma instituição de caridade que fica lá-não-sei-aonde e ajuda as crianças com-não-sei-o-que-lá. E o melhor, acha que prostituição é um trabalho degradante e o que faz é bem diferente disso. Não tem diferença nenhuma entre o cara o telemarketing que é esculachado por ser burro e seu chefe te chamando de incompetente. É a mesma classe dos motorizados que reclamam que estão presos no trânsito e dos motoristas de ônibus em greve. Todo mundo fodido. Todo mundo olhando pro próprio umbigo. Todo mundo com o botão de foda-se pra esses proleotários.
3. dono: tirando os chefes (que são proleotários mas acham que mandam muito no rollet), os donos são quem mandam de verdade. Não sei muito sobre essa categoria, a não ser que ganhar dinheiro é o que conta e o resto que se foda. Os donos não podem viver com menos de 20 mil por mês, pras contas do dia-a-dia. Mas mandam embora a empregada que cobra 80 reais a diária. Porque ela não tem noção. Porque assim não tem condição. Porque, afinal, ela é só uma diarista.
4. peixe-grande: estilo Steve Jobs. Seu lindo.
5. freela, autônomos, bico: a categoria que mais se fode - porém, mais se diverte. Trabalha quando dá vontade (e tem onde tirar grana). Inventa, vende jornal molhado, faz o que for. Dentro da lógica do consumo, dentro da lógica do trabalho, sem estabilidade, sem FGTS, sem férias remuneradas. Sem chefe, sem cartão de ponto, sem cobranças idiotas, sem compromissos nas tardes de sexta e nas manhãs de segunda. Toda sorte de vagabundos, maconheiros, desocupados, baladeiros, irresponsáveis e escória (que paga as próprias contas sem mesada) está aqui.

***

Eu não nasci pra trabalhar. Não mesmo. Eu odeio ter que arranjar o que fazer porque é horário de expediente. Não tem nada pra fazer? Ótimo, deixe seus funcionários darem um rolê pela cidade, pegarem um museu mais vazio, passarem a tarde com os filhos, cuidar da horta no quintal de casa. Mas não. Funcionário bom é funcionário no cabresto. A vida tem que girar ao redor do trabalho.
Porque trabalho é consumo.
Consumo é felicidade.
Trabalho traz dinheiro.
Dinheiro compra felicidade.
Na verdade, todo mundo já sabe que dinheiro não compra felicidade. Mas compra desodorante, margarina e carro, coisas que mulheres adoram. E compram creme, plástica e danone light, porque as mulheres adoram ser bonitas.

N Ã O .

Essa não é a lógica certa. Isso não está certo, nem pra mim, nem pra ninguém. Mas é foda, as pessoas não tem chance de pensar sobre isso. E tem as que pensam e preferem ignorar ou achar que tudo foi assim sempre, que coisa. Mas eu continuo tendo certeza que eu não nasci pra trabalhar. Eu gosto de fazer coisas.
Eu gosto de organizar, de cozinhar, de lavar louça e lavar quintal. Eu gosto de plantar na terra (tudo que eu planto em vaso, morre), gosto de catalogar livros e pesquisar imagens. Eu gosto de relacionar coisas, juntar literatura com música, gosto de escrever e de fazer cartões postais com recortes de revista. Eu gosto de cuidar de crianças e de velhinhos, eu gosto de fazer tricô, eu gosto de bater pregos e quero aprender a usar uma furadeira. Gosto de tirar foto com caixinha de fósforo e queria saber revelar filmes. Eu gosto de falar, de inventar e de contar histórias, eu gosto de costurar bonecos com meias velhas e gosto de pintar portões (talvez eu goste de pintar paredes, mas eu nunca tentei). Eu gosto de ler e produzir coisas novas sobre o que eu leio. Eu gosto de ler o que os outros produziram. Eu gosto de pesquisar, de inventar e de copiar. Eu gosto de desenhar, pintar, recortar, colar e mandar pelo correio. Eu gosto de coisas velhas. Eu demoro pra entender coisas novas. Eu gosto de lavar roupas e gosto de brechós. Eu gosto de encerar sapatos e ouvir as pessoas quando elas só precisam falar-falar-falar. Eu gosto de conhecer gente. Eu gosto de ficar sozinha. Eu gosto de usar saia e fazer tatuagens. Eu gosto de pintar as unhas (dos outros e as minhas). Eu gosto de desenhar roupas, pensar estampas e inventar botões. Eu gosto de fazer feira e passear na 25 de março. Eu quero aprender design.
Será que isso não é o bastante? Será que eu preciso mesmo escolher uma coisa e esquecer todas as outras? Será que não dá pra curtir a vida e ir ganhando dinheiro pra pagar as contas? Será que não dá pra revolucionar esse rollet e tentar um novo mundo possível?

Desempregada sim. Avec orgulho. E contra a alienação, por mais que seja difícil de (des)engolir.



Na defesa da tese da minha Dinda, ela agradeceu ao pai dela, falecido. Ele dizia que um homem que se dá ao respeito, jamais trabalha com carteira assinada. Dik.

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